Relatos

Atos relatados e algumas coisas mais.

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Local: São Paulo, Argentina

Rafael Mafra

terça-feira, setembro 12, 2006

VI

Dois amigos, numa mesa de bar, prosseguindo uma conversa:

- ...daí eu peguei e falei pro cara, "pô, tá faltando o troco". Sabe o que ele me disse? Sabe o que ele me disse? O cara falou que tava certo, você acredita? Vou te falar... se não fosse uma merreca eu ia... (e ontinua falando)

O outro, com cara de preocupado:

- Meu, eu peguei a mulher do cara!
- O quê?
- Eu peguei a mulher do cara!
- Que cara? Tá louco?
- Você sabe que cara! Eu peguei a mulher dele, ontem.
- Ontem...? Não acredito! Quer dizer que... você... você... você pegou a mulher do cara? Que maravilha! Eu devia ter ficado aqui pra ver! E eu que pensava que aquela delícia era uma santa...Mas e aí, como é que foi?
- O cara apareceu por lá...
- O cara... sério? Ele te viu com ela?
- Não deu tempo, saí pelos fundos.
- Ainda bem!
- Só que tinha uns amigos deles lá, no bar, antes dele chegar.
- Porra! E ela não falou nada?
- Ela não passa de uma vadia!
- Cacete, cê tá ferrado!
- Pode ser...
- Então vamos sair daqui, qualquer hora ele chega.
- Que nada!
- Chega sim! O cara vem aqui todo dia, você sabe!
- Sei! Por isso mesmo vou ficar. Ir embora que nada!
- Tá louco?
- Não, meu amigo! Vou embora e depois sumo do mapa? Nem de brincadeira. Vou ficar aqui.
- Você tá louco!
- Que nada. Não é nada que umas boas porradas não resolvam.
- Exatamente! O cara vai te estourar a cara!
- Pode ser, mas pelo menos uma ou duas eu acerto nele.
- Você não passa de um doente! Vou ficar aqui pra ver isso. E você sabe que o cara resolve tudo sozinho, se eu tentar entrar pra ajudar o pessoal dele me esquarteja!
- Eu sei, seu cagão! Não esquenta a cabeça, o negócio é entre nós dois.
- Não é assim... se eu pudesse ajudar... Aliás, tem tempo ainda! Vamos sair daqui!
- Não saio daqui nem que chova mulher lá fora! Sabe que valeu a pena?
- Valeu a pena? Eu que vou ter pena do que sobrar de você!
- Não, tô falando sério! Valeu a pena mesmo! Aquela vadia sabe como faz a coisa... Quer saber? Vou destruir o cara e ficar com ela pra mim!
- Cacete, além de louco me vem agora com esse papo machista do cacete? Logo você, que nunca foi disso? Tá pensando que é assim que as coisas funcionam?
- Não, nada disso! Eu sei que não é assim. Não tô sendo machista...
- Ah, não? Tá sendo o quê então com esse papo escroto de home das cavernas?
- Tô jogando com a a situação. Eu sei que não é assim que acontece, geralmente. Mas eu sei que com ela é assim. Tô te falando que ela não passa de uma vadia!
- E você quer essa vadia pra você... Pra quê?
- Pra nada! É só o lance da conquista mesmo. Depois eu penso o que fazer com ela... Mas primeiro vou ganhar essa mulher no braço!
- Vai quebrar a cara, isso sim!
- Pode ser, vamos ver... olha lá ele!
- Onde?
- Ali, na porta. Tá com a vadia do lado...
- Cacete, é mesmo! O cara te viu! Tá vindo pra cá! Ele vai te pegar, meu! Olha os olhos dele!
- Cala a boca você! E VOCÊ AÍ???

O cara:

- Eu O QUÊ, CACETE?
- TÁ OLHANDO O QUÊ??? TÔ CAGADO???

Disse isso e pulou pra cima do cara. O cara se esquivou. Depois disso os dois se atracaram e a brincadeira rolou solta pelo bar. Conseguiu acertar muito mais do que planejara. Foi atingido muito menos do que pensara. E foi assim. Depois de longos quinze minutos de brincadeira sem ninguém querer entrar pra atrapalhar, os dois se afastaram, sangrentos, inchados, cansados e empatados. Cada um sentou numa mesa. O dono do bar trouxe duas cervejas por conta da casa. Os curiosos se dispersaram e a noite foi retomando as características rotineiras de uma noite qualquer. Eles bebiam com calma, quietos. Seus olhares não se cruzavam. Qualquer pessoa, olhando as expressões de cada um deles, poderia dizer que pensavam em qualquer coisa fútil da vida como o aluguel, o mísero salário ou o horário do último ônibus para voltar pra casa. Qualquer coisam, exceto a porradaria que tinham acabado de travar. Estavam tranquilos. Dentro de meia hora era como se nada tivesse acontecido, a não ser pelos cacos de vidro de copos e garrafas espalhados pelos chão, que o dono do bar teimava em recolher.

A mulher? Dizem que ela saiu pela porta da frente do bar, sem dar satisfações, antes mesmo da briga terminar. Ninguém nunca mais a viu por ali. Uns dizem que ela se suicidou. Outros dizem que ela saiu dali direto pra um convento ou um sanatório, alguma coisa assim, pra nunca mais voltar. Há ainda outros, os mais quietos dos bares, que comentam que ela ainda anda por aí, noite após noite, de bar em bar, provocando discórdia entre homens insensatos. Indo sempre embora, sem nunca ficar pra ver o desfecho de nenhum dos entraves que provoca. E em todos eles os homens terminam sempre empatados!

quarta-feira, julho 19, 2006

V

Escrevendo.
A mochila ocupando o outro lugar da mesa no bar lotado.

- Está esperando alguém?
- Ninguém, muito menos você!

Ela, a outra pessoa, em pensamento: “Nossa! Vou fingir que nem escutei”.
- É que esse bar é o máximo! Queira muito ficar por aqui, mas não tem lugar...

Eu, em pensamento: “E minha vida com isso?”
- É?

- É, daí vi você sozinho na mesa...

Eu, em pensamento: “E...?”
- E...?

Ela, em pensamento: “Apesar de ser chato até que é bonitinho...”
- Daí que também estou sozinha hoje...

Eu, em pensamento: “Claro que está!”
- E...?

- Ai, sabe que apesar de chato você até que é bonito? Me chamou a atenção desde que entrei no bar Como estava lotado, imaginei que poderia sentar aí, conversar um pouco com você. Nós dois estamos sozinhos hoje, sabe? Não sou muito disso, não, de chegar desse jeito pedindo licença pra sentar do lado de alguém que nem conheço, querendo conversar... mas é que hoje me bateu um negócio assim, não sei. Senti necessidade de conversar com você. E olha que eu sou muito receosa com isso! Só converso com meus amigos e com os amigos deles. Por favor, não vá achar que eu sou qualquer coisa... etc.etc.etc.

Eu, em pensamento: “Ãhn?".
- Ãhn?

- Ai, nada! Posso sentar?

Eu, em pensamento: “...”
- Senta aí...

- Ai, obrigada!
- ...
-Tá escrevendo o quê?

Eu, em pensamento: “Palavras...”
- Algumas coisas...

- O quê?
- Palavras!
- Palavras?
- É, ora bolas, palavras! O quê mais?
- Nada mais, né? Calma...

Ela, em pensamento: “Minha nossa!!!”

- E você? – perguntei.
- Eu o quê?
- Ta fazendo o quê aqui?
- Ai, estava sozinha... pensei em sair pra beber alguma coisa, conhecer alguém...
- Não! Não tô falando disso! Tô perguntando o que você está fazendo aqui na minha mesa!?
- Ué... perguntei se podia sentar, você disse que sim! Você é meio chato, hein?

Eu, em pensamento: “É verdade... sou muito chato...”
- Tá, então!

- Tá então, o quê?
- Tá então que você saiu a fim de beber, conhecer alguém... já me conheceu, sabe até que sou chato! E agora, não vai beber nada?
- Pode ser. Tá bebendo o quê?
- Pede o que você quiser, não tenta me acompanhar, por favor!
- Ai, então você acha que bebe mais que todo mundo?
- Não! Só estou dizendo pra você pedir o que tiver a fim de beber, nada mais!
- Uma cerveja, o que você acha?
- Tanto faz!
- Moço, uma cerveja, por favor!?
- Uma pra mim também!
- Ta vendo, a gente tem alguma coisa em comum...
- Com certeza! Mais que isso! Temos também a mesa, os ares e o fato de que nos achamos uns chatos, reciprocamente! Não é perfeito? Agora fica quieta aí, por favor!!!

Depois dessa, a bicha foi-se embora e eu tive de beber as duas garrafas de cerveja sozinho.

O bar inteiro estava falando sobre política... era época de copa do mundo de qualquer coisa.
Saí à latrina e voltei.
O espaço que eu tinha na mesa já não era muito grande. Minha cadeira ficava encostada à cadeira da outra mesa, que não tinha ninguém.
Voltei e um cara tinha sentado ali, na outra mesa, sem deixar espaço pra eu voltar ao meu lugar.
Não falei nada. Puxei a mesa mais pra lá, peguei a cadeira e soltei-a fazendo bater nas costas do cara.

- Ô, irmão! Ta apertado aí?
- Fica à vontade, irmão! – disse isso com muita ironia e sarcasmo.

Sentei, tomei um gole de cerveja e acertei uma cotovelada direita no ouvido esquerdo dele.
Ele levantou. Eu levantei.
E a política rolou solta no bar!

quarta-feira, junho 14, 2006

IV

Tem horas que não dá pra entender. Ficou tudo amarelo e verde e barulhento. Todo mundo corria muito no metrô e eu só aproveitando, pois tinha saído um pouco mais cedo. Dá pra aceitar? Só por conta disso? Mas deixa pra lá! O legal é que parecia feriado, ou parecia que a cidade ia explodir. Todos correndo pra lá, pra cá e não sei pra onde. Todos parados nos engarrafamentos e esmagados dentro dos trens pra voltar logo pra casa. Eu seguia a direção contrária. Ia lá pro centro, tomar algumas cervejas sozinho pra fugir dessa zona toda. Ia andando calmamente enquanto era quase atropelado pelo formigueiro de gente que aparecia não sei de onde. Só descia a Augusta, devagar, ouvindo Yo La Tengo no toca-fitas. Barulho legal. Estava precisando há tempos ouvir um som assim. O comércio estava fechado, comprei as pilhas do toca-fitas numa farmácia. Claro, cerveja tinha. Sempre tem em qualquer lugar, essa desgraça. Tinha esquecido meus cadernos, canetas. Estava sem grana pra mais nada. Passei cada tempo do jogo num bar diferente. O primeiro estava vazio. Quase ninguém além de mim, um casal alemão e alguns policiais que entravam de vez em quando pra assistir um pedaço do jogo e tomar um café sem açucar. O segundo estava cheio. O pessoal com um sambão lá dentro. Eu dividido entre a segunda e a terceira televisão do estabelecimento e mais algumas cervejas. Sim, sim. Apesar de tudo assisti o jogo, sim. Tinha gente ali que não tava nem ligando, umas meninas perdendo oitenta reais, pelo que pude contar, num caça-níqueis que nem dá prêmio. Oitenta reais! E eu sem um puto! Mas assisti, sim. No primeiro, paguei com meu vale-refeição. Ótimo isso, não? No segundo, enrolei um pouco lá depois do jogo. O cara do bar me ofereceu mais uma cerveja, eu fiz sinal que não. O cara do bar distraidamente abriu a cerveja, eu fiz sinal que sim. Não, não sou tão fácil assim. Na verdade eu queria mais uma, só não queria continuar naquele lugar. Foi até melhor. Enrolei mais um pouco e... não me lembro agora se essa lembrança na minha cabeça de ter saído do bar sem pagar é real. Foi muito fácil no meio de toda aquela confusão. Os poucos trocados que eu tinha no bolso ainda estão aqui. Saí de lá e pulei pro Gruta. Tem uma conta minha aberta ali. O negócio tá difícil agora, final de mês pra mim. Depois eu passo lá e acerto tudo. O Rubão sabe que tá tudo em casa. Só mais uma cerveja pra fechar a noite, depois iria embora. Pedi dois copos pra ele me ajudar nessa garrafa. Dali a pouco foi mais uma e já estava ficando bom já. Chegou. Tive que passar mal um pouco no banheiro. Voltei melhor, mas veio um tal careca, com aquela ÚNICA camiseta amarela do bar. Sentou do meu lado e ficou enchendo o saco demais. E eu respondendo pra ele e com um certo medo de apanhar. O cara era grande, mas se levantasse a mão, ao menos uma eu acertava. Depois disso, nem vale a pena pensar. O caso é que o cara ficou enchendo o saco e eu respondendo e tomando mais rápido minha cerveja pra ir embora logo. De repente ele vem dando em cima de mim. E não era mais brincadeira, parecia. Ele saiu, falei com o Rubão. "Enchendo o saco nada, ele quer te pegar", ponderou meu companheiro de copo. Chegava já né? Me despedi e fui embora. Só não consegui escapar do beijo idiota que o careca desgraçado forçou na minha testa, antes da porta.

quarta-feira, junho 07, 2006

III

Ai, minha cabeça! Dói só de lembrar. Era o fim da madrugada ainda. Aquela hora horrível em que o céu fecha as mãos para os temperos da noite e cai por cima de tudo com o melancólico azul do amanhecer, pouco antes do sol surgir por detrás dos edifícios com aquele tão conhecido sorriso idiota amarelado. Ótima precaução tomei com os pares de cobertores cinzas em cada janela do quarto. Minha cabeça, que já doía, piorava só de imaginar o dia lá fora. Parecia que consideráveis goteiras de luz insistiam em entrar, tingindo tudo de ouro. O travesseiro por cima da cabeça me ajudou a voltar ao sono.
Horas mais tarde, os olhos abertos. Parecia ser a mesma coisa. Minha cabeça doía cada vez mais. E eu precisava sair dali. Tinha de tomar banho, cortar as unhas... ora bolas, eu já havia tomado banho! Ou não? Não sei... creio que sim, antes de trancar as janelas com os cobertores. Minhas unhas ainda estavam grandes...
Eu havia sido convidado pra cuidar do bar em uma festa, na noite anterior. Decisão inteligente tomaram. Eu sempre pago minhas bebidas. Lucro na certa!
Ali no quarto todas as minha forças trabalhavam para que eu levantasse. Precisava jogar uma água gelada na cabeça, me vestir e sair. Ah, merda! Os compromissos...
Todas as minhas forças não bastavam para mais que abrir os olhos e revirar meu corpo de um lado para o outro, a cada quinze segundos, tentando achar a melhor posição para meu estômago. Havia alguma coisa errada...
Ah, que vômito! Belo! Belo vômito! A quarta vez nesta semana. Somente líquido. Aliás, todas as quatro vezes, somente líquido. Creio que estou carente de vitaminas. Essas coisas que ando tomando já não caem como antes. Estou fraco. Preciso de vitaminas...
O estômago e os compromisso já tinham desaparecido de meus pensamentos. A cabeça e a dor continuavam...
Médicos... Tolos! Dois segredos para evitá-los: vômito para ressaca e dor de estômago; sexo para ressaca e dor de cabeça!
Não havia mais espaço para minhas dores se divertirem, mas estávamos ainda ali e o dia lá fora. A perda da tarde não foi menos que prazerosa. Pude então, novamente, encontrar-me com a noite. Não pude fugir-lhe à sedução, mesmo que jamais houvesse conhecido tal estado de exaustão...

quinta-feira, abril 20, 2006

II

Estava apenas lendo, tomando cerveja do lado de fora, frio, do bar, pois não havia lugar dentro. No primeiro cigarro apareceu a mulher. Estava dentro, no balcão, exibindo seu corpo e olhando vez ou outra ali pra fora. Mal chamou a atenção além disso tudo até a hora em que veio até a minha mesa: "Lendo um livro, hein?" ela disse. Senti vontade de responder com a brutalidade que esse tipo de comentário merece, mas me contive: "Senta aí.". Sentou-se. Continuei lendo. Fez menção de perguntar alguma coisa sobre o autor, mas interrompi informando o preço: "Oitenta reais!". Ela disse que eu estava supervalorizando o produto, ou alguma coisa assim e saiu. Estava claro que era uma brincadeira, mas creio até que estava cobrando barato. Antes dela ir embora ainda falei algo como: "Já que você não sabe mesmo o que está perdendo, volte pra sua vida de merda!". Ela saiu irritada e eu nem ligando pra isso.

Estava cansado. Tinha trabalhado o dia inteiro e depois andado uns quatro quilômetros pra chegar naquele bar e ler algumas páginas sossegado. Não havia espaço para conversas prostitutas.

Andei esses quilômetros não por necessidade, mas por vontade. Meus pés começaram a doer nas primeiras centenas de metros por causa do sapato novo que eu estava usando, mas continuei mesmo assim. O som no toca-fitas estava legal.

A mulher foi embora e eu continuei lendo com cerveja. Acho que preciso me alimentar melhor, essas coisas já estão fazendo efeito antes da terceira garrafa. Parei, paguei, vesti uma blusa que estava na mochila. Meus braços já estavam ficando azuis por causa frio. Desci a rua livre mais conhecida, porém não a melhor, da cidade ouvindo mais música. Durante o caminho, antes de atravessar uma rua, dessas super lotadas, me distraí com o tipo de gorro que uns caras barbudos usavam. Eram uns três e uma mulher que também parecia ter barba. O gorro era desses que os padres usam, não sei ao certo. Todos de preto. Enquanto olhava, meio que encantado e curioso e com raiva daquelas cabeças, passou do nosso lado uma viatura de polícia, fazendo alarde no trânsito. Parou tudo. A mulher barbada já estava estranhando minha atenção na cabeça dos desgraçados e a sirene tocando e aumentando a confusão naquele trânsito que de maneira alguma precisava disso. Eu só queria atravessar, porra! E a mulher me olhando e a sirene tocando... Atravessei a desgraça da rua naquela confusão mesmo. Desci mais e a confusão era a mesma. E eu segui ouvindo um som por entre os carros...

I

Deixei pra trás, naquele quarto, todas as evidências da tuberculose e, talvez, algumas coisas mais. Vasculhei tudo antes de sair, não queria esquecer nada. Mas hoje em dia é tão difícil não esquecer nada... temos que nos preocupar com todos os cartões e seus comprovantes de pagamento. Eu sempre esqueço no quarto o comprovante de pagamento do cartão de crédito. Dizem que podem usá-lo contra o próprio dono, até me preocupo com isso, mas sempre esqueço...

Saí dali como se estivesse com os pés na cabeça, e a cada passo eu sentia bater na cuca o asfalto podre das ruas por onde passava. No meio do caminho até tentei um suco natural, pra ver se ajudava um pouco o meu corpo. De nada serviu, inútil, a não ser ao banho que servi a uma das latrinas quietas do ambiente onde trabalho. Transformei aquele banheiro limpo num banheiro de bar, abraçado à sujeira e depois deitado no solícito chão. Levantei cambaleando ainda e encarei meus olhos no grande espelho da parede: "Vamos! Levanta! Olha pra você... já está de pé e nem percebe! E a dor de cabeça? Ah, a dor de cabeça! Pega um comprimido, toma. A água da torneira serve. Levanta. Lábios encarnados. Olhos raiados por riscos vermelhos. Seca essa água escorrendo pela tua face. Desce, volta ao trabalho, vai...

No almoço, a comida demorou a entrar boca abaixo. Tive de botar pra fora todos os litros d'água ingeridos pela manhã. Comi com calma um quarto de prato e um pedaço de doce qualquer. Puro desperdício, deixei quase tudo intacto sobre a mesa do restaurante. Na volta, apesar de me sentir melhor, não pude esperar nem a metade do caminho. Mandei tudo ao chão ali mesmo, na rua, em frente a uma loja de animais. Puro desperdício...