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Local: São Paulo, Argentina

Rafael Mafra

quarta-feira, junho 14, 2006

IV

Tem horas que não dá pra entender. Ficou tudo amarelo e verde e barulhento. Todo mundo corria muito no metrô e eu só aproveitando, pois tinha saído um pouco mais cedo. Dá pra aceitar? Só por conta disso? Mas deixa pra lá! O legal é que parecia feriado, ou parecia que a cidade ia explodir. Todos correndo pra lá, pra cá e não sei pra onde. Todos parados nos engarrafamentos e esmagados dentro dos trens pra voltar logo pra casa. Eu seguia a direção contrária. Ia lá pro centro, tomar algumas cervejas sozinho pra fugir dessa zona toda. Ia andando calmamente enquanto era quase atropelado pelo formigueiro de gente que aparecia não sei de onde. Só descia a Augusta, devagar, ouvindo Yo La Tengo no toca-fitas. Barulho legal. Estava precisando há tempos ouvir um som assim. O comércio estava fechado, comprei as pilhas do toca-fitas numa farmácia. Claro, cerveja tinha. Sempre tem em qualquer lugar, essa desgraça. Tinha esquecido meus cadernos, canetas. Estava sem grana pra mais nada. Passei cada tempo do jogo num bar diferente. O primeiro estava vazio. Quase ninguém além de mim, um casal alemão e alguns policiais que entravam de vez em quando pra assistir um pedaço do jogo e tomar um café sem açucar. O segundo estava cheio. O pessoal com um sambão lá dentro. Eu dividido entre a segunda e a terceira televisão do estabelecimento e mais algumas cervejas. Sim, sim. Apesar de tudo assisti o jogo, sim. Tinha gente ali que não tava nem ligando, umas meninas perdendo oitenta reais, pelo que pude contar, num caça-níqueis que nem dá prêmio. Oitenta reais! E eu sem um puto! Mas assisti, sim. No primeiro, paguei com meu vale-refeição. Ótimo isso, não? No segundo, enrolei um pouco lá depois do jogo. O cara do bar me ofereceu mais uma cerveja, eu fiz sinal que não. O cara do bar distraidamente abriu a cerveja, eu fiz sinal que sim. Não, não sou tão fácil assim. Na verdade eu queria mais uma, só não queria continuar naquele lugar. Foi até melhor. Enrolei mais um pouco e... não me lembro agora se essa lembrança na minha cabeça de ter saído do bar sem pagar é real. Foi muito fácil no meio de toda aquela confusão. Os poucos trocados que eu tinha no bolso ainda estão aqui. Saí de lá e pulei pro Gruta. Tem uma conta minha aberta ali. O negócio tá difícil agora, final de mês pra mim. Depois eu passo lá e acerto tudo. O Rubão sabe que tá tudo em casa. Só mais uma cerveja pra fechar a noite, depois iria embora. Pedi dois copos pra ele me ajudar nessa garrafa. Dali a pouco foi mais uma e já estava ficando bom já. Chegou. Tive que passar mal um pouco no banheiro. Voltei melhor, mas veio um tal careca, com aquela ÚNICA camiseta amarela do bar. Sentou do meu lado e ficou enchendo o saco demais. E eu respondendo pra ele e com um certo medo de apanhar. O cara era grande, mas se levantasse a mão, ao menos uma eu acertava. Depois disso, nem vale a pena pensar. O caso é que o cara ficou enchendo o saco e eu respondendo e tomando mais rápido minha cerveja pra ir embora logo. De repente ele vem dando em cima de mim. E não era mais brincadeira, parecia. Ele saiu, falei com o Rubão. "Enchendo o saco nada, ele quer te pegar", ponderou meu companheiro de copo. Chegava já né? Me despedi e fui embora. Só não consegui escapar do beijo idiota que o careca desgraçado forçou na minha testa, antes da porta.